O Supremo Tribunal Federal – STF extinguiu, na última sexta-feira (22), a ação popular contra resolução do Conselho Federal de Psicologia – CFP que buscava regularizar a prática de reversão de orientação sexual. Movida por um grupo de psicólogos defensores da chamada “cura gay”, a ação questionava a Resolução CFP 01/1999, que determina não caber a profissionais de psicologia o oferecimento de práticas desse tipo, uma vez que a homossexualidade não é doença ou patologia.
Em setembro de 2018, o CFP ingressou no STF com reclamação constitucional solicitando a extinção da ação popular que buscava anular a resolução. Em abril de 2019, a ministra Cármen Lúcia concedeu liminar determinando a imediata suspensão da tramitação da ação popular e de todos os efeitos de atos judiciais nela praticados, prevendo a ilegalidade dos ditos “tratamentos”. Em janeiro de 2020, a magistrada determinou o arquivamento da ação.
Em sessão virtual na última semana, o STF finalizou o julgamento de ação contra a resolução do CFP e, por unanimidade, rejeitou os embargos de declaração opostos pelos autores. Como não há mais possibilidade de recurso, as determinações do Conselho Federal de Psicologia seguem válidas em sua integralidade, com todas as suas disposições mantidas.
Sexualidade é parte da identidade
Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a psicóloga e bacharel em Direito Glicia Brazil aponta que a terapia de reversão de orientação sexual contraria os Direitos Humanos. Ela reforça que a homossexualidade não é doença, tampouco uma perversão. “Logo, a chamada ‘cura gay’ é completamente contrária a quem respeita o ser humano enquanto um sujeito que tem liberdade para expressar sua sexualidade, que é parte de sua identidade”, defende.
A especialista aponta que um grupo de psicólogos, ligados a valores religiosos, vê, equivocadamente, variações à heterossexualidade como distúrbios. “Há inclusive quem diga que a homossexualidade seria uma falta de Deus. Entendo que esses ‘tratamentos’ são absurdos, um completo desrespeito ao ser humano”, diz Glicia.
Ela aplaude a decisão do STF de manter a validade da Resolução CFP 01/1999. “Independentemente da área em que o psicólogo atua, muitas vezes ele é interpelado por questões ligadas à sexualidade. Enquanto um profissional de saúde, que deve promover o bem-estar das pessoas, não podemos compactuar com nenhum tipo de determinação ou lei que venha ferir o sujeito em sua forma de se expressar”, ressalta Glícia.
De acordo com a resolução mantida pelo STF, psicólogos não podem: favorecer a patologização de comportamentos ou práticas homoafetivas; adotar ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados; ou colaborar com eventos e serviços que proponham tratamento e cura da homossexualidade.
Autoaceitação
A quem chega a um consultório em busca de mudar sua orientação sexual, o caminho adequado é o da autoaceitação. “É exatamente perceber que (a homossexualidade) não é uma doença. Há, inclusive, uma defesa de que ninguém escolhe ser homossexual ou heterossexual, mas trata-se de uma pré-determinação psíquica”, explica Glicia Brazil.
Na referida resolução, o Conselho Federal de Psicologia prevê que os profissionais atuem segundo os princípios éticos de não discriminação, de promoção do bem-estar das pessoas e da humanidade. Os profissionais devem contribuir, ainda, para reflexão sobre o preconceito e para desaparecimento da discriminação.
“Quem tem dificuldades em assumir sua sexualidade, porque acredita que isso lhe trará sofrimento, deve iniciar um tratamento psicológico no sentido da aceitação de quem é e de que deve ver sua sexualidade de forma natural. É preciso enxergar que não existe uma norma ou uma regra de sexualidade. Se não há regra, não existe desvio”, define Glicia.
Ideologia de gênero
Entre as controvérsias relacionadas ao tema, também carece de enfrentamento, segundo Glicia Brazil, o repúdio de alguns ao que chamam de “ideologia de gênero”. A expressão é uma forma pejorativa utilizada por pessoas contrárias à aceitação da diversidade sexual e de identidade de gênero.
“A Psicanálise diz que temos um inconsciente e devemos ser fiéis a ele. Pode ser que nosso inconsciente nos mostre, em um processo de análise ou terapia, que temos uma orientação sexual diferente da que socialmente apresentamos, por exemplo. Devemos, então, ser fiéis ao nosso desejo”, afirma Glicia.
De acordo com a psicóloga, quando se fala em “ideologia de gênero”, assume-se que há uma identidade ideal. Na contramão desse entendimento falacioso, Glicia diz que é preciso informação e educação. “A arma que temos para lidar com o preconceito é justamente nos informar de que podemos ser diferentes e nos respeitarmos enquanto pessoas vivendo em sociedade”, destaca.
“Todos nós queremos a mesma coisa: sermos aceitos, ter amor e viver em paz. O diferente faz parte da sociedade e das nossas famílias. Precisamos de informação para perceber a diferença como algo inerente à natureza humana”, conclui a especialista.
Dica do IBDFAM: O filme Boy Erased – Uma Verdade Anulada (2018) é uma adaptação do livro homônimo de Garrard Conley. Dirigido por Joel Edgerton, o longa narra a história real de um jovem (Lucas Hedges) que se assume homossexual e enfrenta a rejeição dos pais (Nicole Kidman e Russell Crowe), extremamente religiosos. Aos 19 anos, ele é convencido a integrar um violento programa de terapia de conversão de orientação sexual. O longa-metragem revela o sofrimento a que eram submetidas as pessoas em uma instituição aberta na Califórnia na década de 1970.
Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM (com informações do Conselho Federal de Psicologia)